domingo, 25 de julho de 2010

Mil Tons

Mil tons de luz entram pela janela
Há uma janela aberta na minha alma, na minha vida
E por ela entram feixes de luz: mil tons
São arco-íris de mil cores
Tantos matizes – mil tons.
Assim como a voz, suave como o céu,
Forte como a terra – tão Minas!

Canções que se fazem em mil tons
Arco-íris de luzes – arco-íris de sons
Mil tons de cores – mil tons de voz,
É Milton cantando, colorindo sentimentos,
Abrindo janelas: de Minas e almas,
Transpondo as montanhas.
É Minas cantando com a sua voz.

sábado, 24 de julho de 2010

Insônia

Meus olhos parecem sofrer.
Há tantos barulhos lá fora,
Há muito mais aqui dentro.

O vento tortura a janela.

O pensamento inconcluso,
Os medos que tenho guardado,
A vida que imaginei,
O dinheiro que me falta,
As frases que não disse
E outras que queria não ditas.
Tudo.

Tudo triturado convulsivamente,
Rodando estupidamente,
Na minha cabeça-liquidificador.

O guarda assobia,
um cachorro late,
Uma tela de Picasso,
O relógio, insensível, acredita que me desperta.

domingo, 18 de julho de 2010

Avesso

Avesso. A palavra fica se repetindo nos ouvidos da menina como a querer que ela a decifre, que a vire pelo “avesso” e a perceba em toda a sua essência, que encontre o seu cerne.

Mas, ela só tem 10 anos e tudo o que lhe ocorre, nesse instante, é perguntar:
- Por quê tenho que me preocupar tanto com o avesso? Ninguém vai ver quando a tolha estiver em cima da mesa!

A mãe, carregando as roupas que recolheu do varal, sem se virar, sem a olhar, fala de longe:

- Porque é pelo avesso que se conhece o bordado. É pelo avesso que se sabe se a bordadeira é boa ou não, se é caprichosa...
A última palavra é pronunciada de maneira quase doce, numa tentativa de fazê-la entender a importância do que acabara de dizer.

Parece que sua mãe gosta de “avessos”. Teve a impressão naquele instante de que já a vira examinando o avesso das toalhas nas mesas das casas visitadas, das roupas que lhe eram mostradas - disfarçadamente.
...
Na casa havia duas meninas e um menino. Ela, Maria Laura; sua irmã mais velha, Maria Emília e seu irmão mais novo, Artur.

Moravam em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, muito pequena mesmo. Algumas poucas ruas de terra, ou melhor, de uma fina areia de rio, que as tardes de agosto e setembro transformavam em uma bela e poética cidadezinha, com o sol correndo por suas ruas e iluminando as casas caiadas. Parecia que as flores dali tinham cores mais intensas. As zínias, cujo nome ela descobriria muitos anos depois, de muitas cores, eram somente “as flores”, que enfeitavam o quintal e os vasos. Havia também perpétuas e pés de sabugueiro que exalavam um doce aroma e serviam de remédio para as crianças com sarampo.

Era assim, é preciso que se diga, quando aparecia uma criança com sarampo, logo várias outras surgiam como se tivessem feito um acordo.
Então, os pés de sabugueiro recebiam as visitas das mães zelosas com medo que suas crianças tivessem “sarampo recolhido”.

Sarampo recolhido. A menina se põe a pensar o que poderia ser isso? Como é possível recolher o sarampo?

- Ora, deixe de bobagens, menina, dizia-lhe a mãe. Sarampo recolhido é quando não sai pra fora do corpo. E aí é mais perigoso.

Ela pensa, por que é assim? Por quê quer sempre saber o significado de tudo, de onde surgem as expressões, por que dizer daquela forma e não de outra. Como “sarampo recolhido”!
...
A vida ali era doce. Tinha cheiro de pão, de madeira perfumada, de flor de laranjeira e de sabugueiro. Mas, às vezes, também podia ser amarga. Mas isso, ela também só saberia muitos anos depois, quando olhasse para trás.
...
Por enquanto, é somente uma menina que pensa no bordado que a mãe lhe pôs nas mãos, e no desenho que a agulha teima em não seguir. Olha de novo a mãe lá fora, à sombra de um pé de laranja, e imediatamente se lembra do livro que o pai lhe trouxe quando viajou para a capital - Reinações de Narizinho. Tantas vezes exibido na escola, tinha sido enviado por uma tia.
A Professora o lia em voz alta, todos os dias, dez minutos antes de terminar a aula, se todos se comportassem bem – era um “prêmio”. Era assim, uma maneira de dividir com os colegas, a mãe lhe havia dito isso, e também o pai e a professora. Ela, no entanto, queria tê-lo só para si. Mas, agora que sabiam do seu tesouro, todos o queriam.
Lá, aonde se escondem todos os sentimentos, sentia o quanto era boa aquela história de possuir “O” livro. Queria tanto ser a dona daquele mundo que ele descrevia.
Ah! Não tem jeito. A mãe está lá fora como a lhe lembrar da realidade.

Nada disso é verdade, dissera-lhe a mãe. Ora, ela sabia disso e isso não tinha “nenhuma importância”. Ela também sabia “fazer de conta”.

A menina se debruça sobre a grade de madeira que cerca toda a grande varanda, deixando de lado o bordado. Alguns degraus separam a casa do quintal e, de repente, vem-lhe um sentimento diferente, que, ainda, não sabe explicar, como uma saudade, uma tristeza, uma... perda.

- Mãe, nós iremos à missa no domingo? - pergunta do alto da escada como se tentasse voltar à cena.

A mãe a olha como a querer decifrar o sentido da pergunta, e aquele tom quase triste.

- Acho que o padre não vem neste domingo. Se vier, iremos todos. E, por falar nisso, onde estão a sua irmã e o seu irmão?

Havia por ali uma pequena igreja que, de vez em quando, recebia a visita do padre. Era dia de encontrar parentes e amigos, de vestidos e sapatos novos (aqueles que só se mostram aos padres e àqueles que, com fervor e alegria, ali estavam).
Mas, se tivesse missa, ela o saberia antes. A igreja seria lavada, os bancos seriam limpos para receberem as roupas de ver Deus, e os vasos, antes vazios, receberiam as mais belas rosas, aquelas que se guardam para a Nossa Senhora.
Ela saberia antes, no final da aula de sexta-feira a professora diria para irem à missa. Era como um dever de casa.

Laura se afasta lentamente. Entra na casa e o sol tece seus derradeiros fios de luz. Toalhas brancas de crochê enfeitam as mesas, o fogão a lenha logo será aceso para aquecer as panelas e a água para que todos possam tomar banho quente. Fecha os olhos e respira fundo, bem fundo, como a querer guardar a imagem e aquele cheiro para sempre.

A menina chega à janela e olha a rua. A irmã está lá conversando enquanto puxa docemente as pontas do cabelo, como a medir-lhe o comprimento. Como sua irmã está bonita com aquele cabelo longo, ela pensa, um dia terá o seu assim.
O irmão, ainda menino, constrói estradas de curvas acentuadas que, um dia, o levarão pra longe daquele mundo.

O pai chegará daqui a pouco, cansado, e dirá que as coisas estão indo bem agora. A água estará quente, haverá cheiro de comida e o mundo parece ser só isso – tão perto, tão...

A menina olha de novo, a casa, o mundo lá fora que se estende somente até aonde alcança a sua vista, até a árvore mais próxima, até o outro lado da rua de areia fina. Tudo tão simples e quase descobre o quê é isso - o avesso da sua vida.

Mas, não agora.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Eu e Brasília


Brasília e eu temos a mesma idade.
Nós duas nascemos no centro-oeste deste imenso País.
Para uma cidade, ela é ainda muito jovem;
Para mim, nem tanto.

O tempo e a vida foram nos transformando:
Nela surgiram novas avenidas, ruas, vielas,
Caminhos que não estavam nos projetos.
Em mim também.

Brasília foi ficando mais árida - incontrolável.
Do seu planalto observa o ‘resto’ do país e dele desdenha.
É mulher devassa que seduz e, depois, Medusa - transforma em pedra.
Cada dia menos afável, cada dia mais intumescida.

Eu não. Eu posso ser o que quiser.

Tristeza

Tantas vezes você vem e tira de mim a alegria.
Rouba-a dos meus olhos, da minha voz,
E mesmo sem perceber me pego a cantar
todas as cantigas que a tristeza me faz lembrar.

E eu fico assim, de lado da vida,
Buscando nos livros poemas sofridos
Fazendo de conta que não choro por mim.