segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Reencontro

Era começo de noite, de lua amuada e sombras escuras. A casa parecia cochilar no final da rua, daquela pequena cidade. À frente estendia-se uma grande varanda que se comunicava com a cidade ou, como diziam os moradores, com a civilização. No fundo, pareceria não haver nada mais. E a casa ali, antiga, resignada, sempre olhando o pouco movimento da rua - quase nenhum.


E foi assim, com as sombras a encobrir lentamente o adormecer do dia, que a mulher, pequena e ágil, chegou. Trazia somente uma mala que ela equilibrou ali mesmo no chão, em frente à casa. Tocou a campainha e esperou. Ouviu o latido de um cão e, enquanto esperava, examinava a casa e a paisagem sumindo na escuridão. Olhou o céu, depois a porta e pensou se havia tomado a decisão certa. Qualquer coisa a concluir ficaria pra depois, pois, lá dentro as luzes se acenderam e a casa ganhou nova perspectiva.


A mulher ficou ansiosa.


O tempo parecia escorrer por debaixo da porta, longo, interminável, até que se abriu e lançou-lhe um facho de luz.


Apareceu um homem antigo, não velho, mas antigo, desses que só se encontram nas casas antigas, das cidades pequenas do interior do estado.


Ele olhou a mulher com certa curiosidade, não explicitamente demonstrada, e reparou na mala. Dirigiu-se a ela, ainda da porta, imaginando que, àquela hora, deveria ser alguém pedindo qualquer coisa – não era tarde, era ainda começo da noite.


- Pois não?


Por alguns instantes, ela o olhou tentando encontrar, na pouca claridade, alguma coisa familiar. Um sorriso duvidoso iluminou brevemente seu rosto de uma maneira quase infantil, e ela disse:


- Antônio?


- Sim? Ele franziu um pouco a testa e fez menção de se dirigir a ela. Ela, mais decidida, deu alguns passos à frente de modo a ficar num ponto mais iluminado.


- Sou eu, Antônio, sua irmã. Não me conhece mais?


A lua parecia mais clara agora, atenta àquela cena. Ele nada disse – não poderia. A voz parecia machucar-lhe a garganta e eles se abraçaram com força.


- Tanto tempo! Tanto tempo! Disse ela e depois ele.


A casa aberta, agora cheia de luz, recebeu-os. Havia tanto para contar – foram anos de convivência: de idas e vindas, de carinhos e de brigas, enfim, de família. Depois, trinta e cinco de separação. Havia muita coisa...

Depois que os pais morreram, como quase sempre acontece, os irmãos se separaram. Antônio, um dos mais velhos, havia se mudado para o interior e lá criara a sua família. Maria Lúcia, a mais nova, ficara na capital.



Mais decidida, ela voltou a dizer:

- Ah, Antônio, tantos anos andamos juntos, lado a lado – os melhores anos. Depois, você desapareceu e deixou um vazio, mas ainda assim andava comigo... no meu coração. Eu vim te procurar antes que você começasse a andar somente na minha lembrança...

domingo, 27 de novembro de 2011

Ciranda

O ladrão passou correndo
E levou o anel que tu me deste.
Não era vidro, era puro ouro – tu disseste!
Tanta estima que eu lhe tinha
e agora somente uma marca restou.

Senhor ladrão, talvez não saiba,
Não poderia mesmo saber,
Quanto me custa ver este dedo vazio
Nele eu exibia uma prova de amor.

Corre o ladrão com minha jóia,
E logo se forma uma ciranda de espanto.
atordoada, olho a marca que ele deixou.
“Vão-se os anéis, ficam os dedos”:
Alguém na roda, teatral, recitou.

Vamos dar a meia volta – volta e meia é que não dá.
O anel não volta mais – outro ainda profetizou.
E a roda assim como se fez assim se dispersou.
Vou pensando na minha perda...
Há muito se quebrara, não o anel,
Mas o amor que outro coração furtou.

Senhor ladrão, talvez não saiba,
Nem poderia mesmo saber,
O anel que tu levaste não era vidro e tem valor,
O amor que nele havia é que era pouco
E há muito se quebrou.

Ciranda, cirandinha... E tudo agora se acabou.

domingo, 13 de novembro de 2011

Travessia

Eu sou muito jovem ainda,
Mas você insiste que preciso cruzar o oceano,
Largar a segurança da praia.
“É hora de partir, eu vou...”
Por que preciso ir?
Meus olhos já estão cheios de saudade,
Que eu não sabia existir,
E se derramam mais que toda a água do mar.
Você não vê?
Meu coração ficou tão pequeno – como uma ervilha -
Não pode suportar tanta dor!
Por que é preciso sofrer assim?
“A cera da vela queimando...”
Como pesa essa mala!
Tanto medo carrego dentro!
Você não se importa?
Olhe os meus olhos.
Tanto sentimento eles te contam!
Ah, o mar é tão escuro!
É tudo o que eu não sei.
“Vou-me embora pra bem longe...”
Eu tenho medo – o medo me prende
E aperta com tanta força o meu coração.
Ou não – talvez não seja isso.
Pode ser a saudade que se antecipa.
Pode ser...
Os retratos na parede descascada
(seus traços tão afeitos)
De repente embaçados.
Você não vê porque está tão escuro.
Você não ouve porque soluço em silêncio.
Tão profundo esse silêncio – tanto quanto o mar.
Esse mar que quer que eu atravesse.
Do lado de lá só a solidão.
Eu me desintegro – perco os retratos
E o que me resta:
uma parede descascada – desconhecida.
“A morte é o fim do novelo”.

domingo, 6 de novembro de 2011

Esperança


Olho o pássaro pousado lá no alto.
Em quê ele pensa? Ponho-me a imaginar:
Tomara que amanhã seja um dia bonito.
Que tenha sol, mas que seja brando o seu calor.
Que o céu esteja azul e as plantas bem verdes.
Que tenha flores, sem exagero, mas que existam.

Quero o melhor de cada estação.
Tomara que chova esta noite.
Assim amanhã o ar estará limpo e fresco.
E que sopre em mim o viço da esperança.

O pássaro, liberto, abre suas asas e voa.
Eu, imóvel, percebo que os desejos são meus -
Não dele.

domingo, 16 de outubro de 2011

Desesperança

Há, naquela cidade pequena, algo que a faz triste.
Talvez porque traga no próprio nome
a pluralização do sofrimento físico.
As águas do rio, que não a banham,
Não podem levar pra longe as suas dores.

Nem mesmo o sol que permeia a copa das árvores
E fica ali peneirado, espalhado no chão (tão bonito de se ver!)
Pode entender porque sua luz não ilumina aquele canto.

Embora riam, os moradores se fazem tristes quando sozinhos.
Quando recolhem os tamboretes do alpendre,
Levam também, pra dentro da casa, a noite que cai.

Tão mansa e morna, a noite chega,
envolvendo a cidade retraída e triste.
Recolhida em si mesma nem reparou as estrelas –
tão abundantes!
Espera somente que venha mais um dia.

E tudo de novo, do sol à lua, do dia à noite,
Estende-se o tempo, cumpre-se a vida,
Alegria por quê? Perguntam-se os moradores
Se todo dia se faz, igual e pra sempre.

É um novo dia, a luz anuncia. Mas logo entende
Que por ali não nascerá alegria.
É ano novo, alguém se arrisca. Mas logo compreende
Que ali esperança nenhuma vingaria.

Arrasta-se o tempo naquela cidade,
Na poeira das ruas, em Minas Gerais.

domingo, 25 de setembro de 2011

Farol


No ponto mais alto um farol existe.
Mesmo quando é densa a neblina,
sabe-se que lá está.

Sua luz que nunca descansa aos navegantes irradia:
Divisa há entre o mar e a terra.

E aos da terra, a luz que tudo alumia:
aqui termina a terra - à frente, o grande mar.

O farol é que sabe a terra e o mar.
Dois elementos tão distintos:
Profundezas indecifráveis, intransponíveis.
Lá do alto o farol a avistar.

Assim o homem e o espírito.
Entre eles, acima deles,
o farol - Deus.

domingo, 18 de setembro de 2011

Ausência

Minha alegria minguada
Meu sorriso pouco – quase que não se vê.
Venho numa toada lenta
Nessa estrada comprida
Sem alarde, sem ardor.

Com meu pai aprendi a viver à distância
Com meus irmãos o desamor.

domingo, 28 de agosto de 2011

Tempo de Chuva

Gosto do tempo quando se avizinha a chuva.

Gosto da espera, do prenúncio,
Do cheiro que chega antes.

Gosto do vento que antecipa a sua intensidade:
“Preparem-se! É mansa. É brava!”
Os pássaros, as árvores a esperam conforme anunciado.

O vento vira,
vira o tempo, vira a roupa, vira a flor

- vira o mundo.

Vento brinca, sacode o varal, faz farra no quintal.

Arrepia a terra que espera...
E a chuva cai.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Solidão

A solidão me comove.
A solidão do tempo passando à porta me comove mais.
É como se arrastasse uma sombra -
Maior a cada dia do ser só.

Casa vazia - a sombra que se estendia à frente,
Embrenhou-se pela casa e seguiu quintal adentro.
Deixou uma solidão comprida, como o olhar que busca.

A cada dia a sombra se alonga.
Isso me comove.

Meus olhos se desacostumaram do choro.
Acho que se conformaram.
Eles se aperfeiçoaram a olhar, observar.
É quase fim de tarde – a sombra me entristece.
Ela, a sombra, se estende – a vida não.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Eu vou pra Minas

Eu vou pra Minas.
Lá eu dispo a minha armadura,
Deponho as armas,
Refaço o caminho e o enfeito de sempre-vivas.

Eu vou pra Minas.
Subir as montanhas, prosear com o vento
(conversas antigas),
esquecer o tempo num pé de jabuticaba Sabará.
Quem sabe ainda encontro guabiroba por lá!

Eu vou pra Minas.
E num galho de arruda
Vou me livrar do quebranto e do mal-olhado,
Espinhela caída e “vento virado”.

Eu vou pra Minas.
Lá há uma casa com ladrilhos,
Ora-pro-nóbis no quintal, terra vermelha,
madeira lustrada com óleo de peroba.

Vou buscar um terço pra rezar,
Vou trazer mais saudade e
Muita história pra te contar.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Minas

Meus desejos são minas profundas
de sentimentos tão gerais.

Eu queria que você chegasse bem devagar
E dissesse que posso dormir agora
Que vai cuidar do meu sono e espantar os fantasmas – todos.
Queria ver nos seus olhos a verdade
E então, fechar os meus e dormir – sem sustos.
Sou mina, menina, nascente de água pura – desejo.

Ah, esse céu é tão azul (pena não ser universal)!
Tenho vontade de abrir a boca e
Trazê-lo inteiro para dentro de mim.
Fecho os olhos – dentro de mim há um céu.
Sou mina, tesouro irrevelado – safira.

Eis que, do vale ao cume,
Subo vertiginosamente as montanhas do desassossego,
Como quem pisou de repente, metaforicamente,
Incoerentemente a mina – camuflados sentimentos.

Sou minas – gerais.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

À Deriva

O meu corpo está solto no universo.
Entre planetas e estrelas - mortos.
Tudo escuro, tão distante!
Absolutamente calmo – bom.
Meu corpo entorpecido. Nada o prende.
Nenhum laço – nenhum peso.
A esmo, no ermo da escuridão profunda.
No vazio – no silêncio - no nada.

Absolutamente só.

Imagino meu corpo assim tão livre.
Um solo de piano o acompanha
numa cadência de pulsação - ínfima.
Um jeito de ir além,
Muito além.

Não me chame – não me traga de volta.

sábado, 19 de março de 2011

Ânimo

Sobre a mesa repousa uma folha em branco.
Ao seu lado uma caneta.
Ambos esperam ansiosos.
Mas, o poeta, coitado, não se anima.

Os sentimentos, acanhados,
Descompostos.

Ele olha a caneta e o papel.
Dentro dele uma vastidão imensurável.

Quisera ele formar frases perfeitas,
Palavras vivas, dispostas em poemas,
Contos, crônicas, poesias...
Dentro dele ansiados - emaranhados.

Esqueceu-se ele que o poeta é aquele
Que lê entre-as-linhas do viver.
Não é reto o caminho que percorre,
ele se embrenha em sinuosas paisagens,
turvas muitas vezes.
É ele que vê as pedras verdes do fundo do lago,
Quando todos admiram a superfície,
E encontra um rastro de cor na fuligem das cidades.

É ele que sente o cheiro da chuva,
E adivinha o brotar da vida.
Por isso o poeta é tão só – o seu mundo é desmedido –
Assim também o amor e a dor – sem prumo.
E a sua existência é a própria poesia.

Enquanto isso,
Uma folha em branco e uma caneta repousam sobre a mesa.

terça-feira, 8 de março de 2011

O Jardim

Eu quero ter um jardim.
Há muito venho guardando sementes,
recolhendo mudas, fazendo planos.

Enquanto a terra não tenho,
Cresce dentro de mim um jardim.
São sonhos que semeio, rego, adubo.
Caprichosamente.

No jardim que vou criando há roseiras, hortênsias,
Flores tantas (nem mesmo as dálias ficam em dormência),
perfumes que se misturam - harmoniosamente.

Ah, que boa é a noite pra arquitetar o tal jardim!
Enquanto o sono não chega,
vou riscando a terra que não tenho -
todas as sementes germinam - milagrosamente!
(é assim - a minha alma é jardineira).

Às vezes o coração fica inquieto
e eu penso como é custoso criar um jardim!
A terra anda difícil como a vida,
a ansiedade semeia a angústia,
vem a tristeza e espalha o adubo
e o medo brota – viçoso.
(pensamentos ruins são ervas daninhas).

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Torpeza




Da janela no 3º andar, embora não seja assim tão alto,
posso ver um pouco além
da vida que se estende pra fora desta sala.

Aqui dentro tudo parece estagnado –
(quase me sufoca)!
Lá fora a vida, essa bailarina desequilibrada,
corre por entre prédios, árvores, obstáculos (tantos!).

Daqui eu observo:
vejo pombos em cima de um telhado próximo,
um ruído mais alto, um movimento brusco e
eles são aves, voam;
logo tudo se aquieta e eles são pombos outra vez:
rasos, torpes, indignos de suas asas.

Eu os observo - e os imito.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Decepção

O dia chegou – o sol também.
Surpresa nenhuma.
Não houve canto de alegria
Nem riso de felicidade (ela não veio).
Não teve flor, não teve amor.
Beijo também não.

Era só um domingo – domingo de sol,
Sol de todo dia – o amor não –
Não é o mesmo todo dia,
Não é sempre, não conhece eternidade.
A eternidade do amor é só um desejo.
Mesmo o amor é só um desejo.

À tarde o céu escureceu.
A chuva caiu forte e rude,
Inundou ruas, maltratou gentes,
Meu coração irremediavelmente avariado,
Fez par com o tempo.