quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O mar e eu

O mar e eu não temos muita intimidade.
Na verdade, o mar me intimida.
Eu nasci longe da areia macia, numa terra dura, vermelha.
Por isso trago em mim uma tristeza de semente que não vingou.

Eu não sei de onde vem a voz que canta em meus ouvidos
Um fado sentido como luz derradeira,
Como um trem partindo na madrugada,
e eu me ponho a caminhar por sobre pedras antigas,
polidas ao longo de muitos anos – imaginárias.

De que me vale um sonho grandioso
Se minhas mãos pequenas não o comportam.
O mar é tão grande – me intimida -
Tanto quanto a claridade que invade o meu sonho
Que também em mim não cabe...
Como o mar que me assusta.

domingo, 7 de outubro de 2012

Se essa rua fosse minha...


Sentadas no alpendre, minha mãe e eu olhávamos as crianças brincando.
Sobre  nós um silêncio de final de tarde - instante inefável.
Parecíamos cada uma em uma época,
Unidas pela presença uma da outra.
Lá fora a vida corria nos pés das crianças,
Que disso não sabiam – nem do tempo,
Coisa que só se descobre bem tarde.

De repente o tempo presente  soprou sobre nós a sua existência,
Em forma de brisa que pareceu despertar minha mãe.
E ela disse bem baixinho,  quase um lamento:
- Sinto tanto a falta de minha mãe... uma saudade tão grande!
Eu olhei para ela sem nada dizer – não podia!
Os seus olhos estavam encobertos por uma névoa
Que, eu acho,  se chama saudade.
Eu não sabia como ele, o tempo, pudera buscar lembrança tão distante!
Eu não sabia que o amor podia durar tanto!

Levantei-me e beijei os seus cabelos.
Foi nesse instante que notei como estavam brancos...
Então os meus olhos também se cobriram de névoa.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Uma casa em construção


A casa, ainda em construção, não tinha portas.
Janelas sim – bem amplas como sempre quisera.
De manhã fui visitá-la e encontrei  o sol
Passeando pela casa, clareando, aquecendo.

À tarde, lá fui eu outra vez, desejando que  num passe de mágica
A casa ficasse pronta – qual nada!
Era feriado e nenhum trabalhador se dispusera a concretizar o meu sonho.
Sentei-me na porta da casa inacabada e admirei o sol indo
Para trás da montanha, lançando sobre a “minha” casa seu último olhar
- caprichoso deleite.

Voltei-me e vi a lua surgindo, enorme, clarinha, clarinha...
como uma fada em sua  alvura.
Tranqüila, foi subindo devagar e ficando cada vez mais brilhante,  imponente
- certa da minha admiração.
A claridade entrava pela casa, como a fazer  uma inspeção.

De repente me dei conta: a casa era feita de luz
E as casas feitas de luz demoram mais que as outras
Porque é preciso que primeiro se tenha o sonho,
Depois uma montanha aonde nasça o sol e outra aonde se esconda;
Também é preciso que tenha  lua e estrelas
E uma varanda de onde se possa admirar a chuva.

É preciso cultivar o jardim e atrair os pássaros.

Por isso demora tanto para que se tenha a casa pronta.

Foto: Lasara Vargas

domingo, 22 de julho de 2012

"In aeternum" - Para G.


Tão louca a dor que sentias
Que nem sabias se em teu peito toda se acomodava.
Quem percebia o medo que suportavas em tuas noites vazias,
Quem conhecia a solidão que carregavas em teu confuso coração?

Teus pensamentos tortos, teus passos sem prumo,
Tua fala inexata, tua vida sem tino...
Esqueceram-se todos que um dia tu foste criança,
e que traçavas grandes rotas de vôos.
Mas, tuas asas de ferro te prendiam ao chão.

A neblina que confundia teus sentimentos,
 Menino não via, ficava mais densa a cada dia.
Muitas vezes perdeste a lucidez.
Mas, atire a primeira pedra quem nunca a perdeu!

Tão pouco eu te vi,  mas meus olhos nunca se esqueceram
a dor que enxergou nos teus.

Por isso, na noite que parecia não ter fim,
quando tu decidiste voar sozinho na escuridão,
eu sei o que viste, embora não conte,
acima das nuvens escuras, acima de tudo, acima de todos,
encontraste a aurora da tua vida.

Agora descansa, o menino, no colo do Pai.

sábado, 30 de junho de 2012

Assim É


O tempo devora a hora, devora o dia, devora a vida.
Devora a toda hora o dia e a vida.
Todos os dias, a qualquer hora, devorando a vida.
Incansável o tempo – exaurida a vida – contam-se as horas.

Minha irmã foi morar num mundo arrevesado
Das coisas que não se explicam. De lá ela lança
pedras de indiferença. Em seu jardim de estalagmites
Pontiagudos sentimentos ela  cultiva.
E o tempo, insaciável, vai devorando tudo.

Um retrato em preto e branco e vários tons de cinza
Compunham a imagem que guardei dela em meus olhos.
Tão jovem e tão bonita; tantos sonhos – muitas cores.
Por essa época a vida era contida esperança.
Mas veio o tempo, impassível, amesquinhando a graça.

Não foi possível divisar os bons e ...(que nome dar?) dos outros instantes.
Eles se tornaram um rebanho maciço chamado vida,
De lembranças por vezes tão suaves que pensamos ter sonhado.
Ah,  quem me dera ser pastor dedicado e apascentar cada momento!
Enquanto o tempo, irrefreável, não nos leva as últimas horas.

A vida, o tempo leva a qualquer hora quando a luz dos olhos ele devora.

sábado, 2 de junho de 2012


Há tantas estrelas nesta noite.
Infinitas!
Algumas fugidias, outras fulgurantes.
Se criança eu fosse, pediria à primeira 
Que me ensinasse as coisas do mundo,
Que fizesse clarear em mim o mundo.
Mas o que há para além do que meus olhos alcançam:
Uma vasta indiferença – estrelas são.
Há tantos sentimentos dentro deste peito.
Infinitos!
A vida é toda esta noite:
Um pano escuro cheio de furos brilhantes.

domingo, 1 de abril de 2012

Desenredo

Acontece às vezes e me pego pensando
No último instante.
Se no meio de um sorriso – pra quem será? –
O coração pára! Irremediavelmente –
Sem aviso nem alarde - o deixar-se ir.

E se assim não for?
Se num momento de dor – Por que será?
Um gesto brusco interrompido,
O olhar recolhendo a última paisagem – de onde será?
O momento preciso, o perfume, a surpresa do inadiável.


A vida estala e de repente se rompe.

No exato instante – nem antes nem depois.