sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Persistência


À beira do penhasco uma semente brotou.
Dia e noite, noite e dia, o vento fustigava, atemorizava, tripudiava.
Mesmo assim a planta crescia.
Mudavam as luas, as estações, e ela só fazia persistir –
Era  o que sabia.
Suas raízes se agarravam com firmeza naquela terra dura
sob a chuva nem sempre branda e o vento incessante.
Não tinha só o propósito de existir...
(Lá no vale havia tantas de sua espécie).
Seu tronco curvara-se perigosamente sobre o precipício
E depois se erguera bravamente para o alto.
Tornou-se árvore forte e imponente.

E do seu posto pode, enfim, observar o vale.


Foto da internet: autor desconhecido.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O tempo que passa no tempo que fica - II


De uns tempos pra cá ele cismou de sentir saudade.
Seus olhos pequenos, embaçados de tempo,
Estão quase sempre úmidos de saudade.

Deu para lembrar a casa antiga que há muito,
Muito tempo  se rendeu ao peso dos anos.
Até mesmo da cidade onde nasceu resta pouco.
Os lugares por onde andou são agora caminhos de saudade.

Lembra a mãe - seus cheiros, suas flores, suas brabezas, seus mimos.
Repete seus gestos e suas palavras e, sem perceber,
Copia seus medos e suas angústias.
E dos seus olhos brotam saudades.

Fala do pai com respeito e alguma mágoa
(Talvez por causa do seu jeito duro, esculpido na aroeira dos carros de boi).
E termina quase sempre lembrando as suas grandes perdas.
E nessas horas também escorre saudade.

Recorda muitas vezes dos irmãos
Que partiram há muito – das brincadeiras de criança,
As molecagens de juventude, as rusgas e os reencontros.
E nos seus olhos minam saudade.

Agora todos os objetos têm uma espessa camada de lembranças
E todas as cenas parecem remake.
A vida corre lenta, como um rio calmo, de águas claras,
Cuja nascente ele conhece tão bem.

A foz esconde-se atrás de uma luz incerta.
É nela que mergulham todas as saudades.